ONDE ESTÁ O JALECO?

Textos da Autoria de José Rosa Abreu Vale Data domingo, 27 de março de 2011 0 comentários


Altas horas da noite em Fortaleza. Dois educadores sociais percorrem a orla marítima da Praia de Iracema à Praia do Futuro, atentos à presença de crianças e adolescentes em situação de risco ou em “ação pedinte”.
Por situação de risco, entenda-se: exposição ao tráfico ou consumo de drogas, ao furto ou roubo, à exploração sexual. Entenda-se por “ação pedinte”: pedir esmola, comida ou remédio, com a justificativa toda pronta de um pai doente, uma mãe também doente, “levar comida pra casa”, pagar o ônibus.
Isso ao embalo do sonho e  ao delírio das promessas da vida na rua, ao torpor do sono na areia, à frieza das restrições da lei, à dura indiferença do mundo adulto.
A dupla de educadores faz parte de uma equipe mais numerosa, que atua, em diferentes turnos e em diferentes pontos da cidade, integrada ao programa Criança fora da Rua, dentro da Escola.
O percurso diurnal  dos  educadores  nem sempre segue o mesmo  itinerário. Os que vieram ter comigo na Secretaria de Ação Social, que coordena o programa, trouxeram breves anotações sobre fatos ocorridos recentemente. Eu mesmo tive oportunidade de acompanhá-los alguma vez para sentir de perto  a reação das crianças abordadas.
Nas últimas noites percorreram-se, além da Beira Mar, as avenidas Virgílio Távora, Santos Dumont, Santana Júnior, Antonio Tomás, Heráclito Graça, 13 de Maio e Luciano Carneiro até o aeroporto. Na Beira Mar, em frente à Peixada do Meio, havia duas crianças dormindo debaixo de uma jangada. A mãe, Dona Lúcia, estava logo ali, vendendo bebidas alcoólicas numa barraca. Constatou-se que as crianças eram beneficiárias do programa. Dona Lúcia resistiu a se identificar, com receio de perder o ganho da bolsa.
De madrugada, no aeroporto, duas mães dizem que ali estão para apanhar os filhos. Não é verdade. Dois motoristas de taxi e um policial militar testemunham que as conhecem e que recebem das crianças o dinheiro por elas recolhido. São alertadas sobre a situação de flagrante exploração econômica dos filhos. Não é papel dos educadores autuá-las. Mas são  advertidas de que no dia seguinte serão visitadas, em suas casas na Vila União, pela equipe diurna que as orientará sobre como cadastrar as crianças. No retorno à Beira Mar, a equipe deparou os habituais meninos com uniforme dos jornais O Povo, Tribuna, Diário do Nordeste. Os educadores encerram o percurso na Praia do Futuro sem que ali constatem a presença de crianças.
Em 04.02.1997, a equipe reencontra na Praia de Iracema, alguns adolescentes engraxates, já conhecidos do programa. Eles tentam evitar a abordagem. Aproximam-se de um cidadão vestido a rigor, cabelo raspado, fumando charuto. Trata-se de um italiano, também ele conhecido na área, que às vezes chega de carro, às vezes de moto japonesa de 50 cilindradas. Um vendedor ambulante viu várias vezes o homem doar aos meninos provisões alimentícias, transportá-los em um veículo Opala e até recolher valores conseguidos por eles na Praia de Iracema.
Um aspecto crucial do projeto, chamado carinhosamente “Fora e Dentro”, reside justamente no encontro do educador social – o “amarelinho”  por causa do jaleco que endossa - com o menino e a menina no cenário diurno e noturno da rua. Esse encontro é o ponto de partida de todo um processo estruturado para reorientar o destino dessas crianças e de suas famílias, devolvendo-lhes uma perspectiva de reinserção à escola, ao saneamento, aos atos médicos, à moradia, ao trabalho, à vida em sociedade, mediante a aplicação correta de recursos socialmente disponíveis.
O programa foi lançado em 8 de julho de 1976. Coordenado pela Secretaria do Trabalho e Ação Social, a ele dedicaram atenção e esforço  muitos técnicos competentes em sua fase de preparação e no período de sua implementação. Antes de seu lançamento, houve seis meses de  testes de abordagem de meninos em “situação de rua”, assim como de intercâmbio com membros do Judiciário e do Ministério Público, com órgãos policiais, representantes de ONGs, empresários, os meios de comunicação social e, last but not least, com as diversas secretarias setoriais.
Muito há a dizer sobre esse projeto e outros mais voltados para a infância e a adolescência nos anos 80 e 90, particularmente aqueles inseridos no “Proares”. Foram projetos que, com maior ou menor sucesso, centraram-se em quatro dimensões:
  1. garantia de acesso e permanência na escola e em programas sociais para crianças e adolescentes em situação de risco;
  2. concessão de bolsa escola, no valor de 50% a 100% do salário mínimo, em função do número de filhos e da renda familiar per capita;
  3. atenção seletiva às famílias dos meninos, oferecendo-lhes acesso a programas de emprego e renda, de capacitação profissional, instrumental de trabalho, expedição de documentos, recuperação de moradias, concessão de cestas básicas, atendimento médico e psicossocial, entre outros projetos desenvolvidos pela própria secretaria;
  4. envolvimento de outros órgãos governamentais e da  sociedade civil visando a conquista ética de nova postura em relação à problemática do “menino de rua”.
Deve-se a Rosélia Maria Fernandes Monteiro de  Farias o exame acurado da dimensão social do programa no campo específico da proteção à infância e à adolescência: O programa “Criança Fora da Rua, Dentro da Escola” no contexto do enfrentamento à Pobreza, 1998. A autora pontua a situação dos meninos e meninas, assim como a de seus familiares, na trajetória da rua e da sobrevivência. Descreve os seus aspectos organizacionais e operacionais, seu campo de abrangência, a interação com as políticas sociais básicas, os resultados alcançados.
Lembra que em outubro de 1997, quinze  messes depois de seu lançamento, o programa foi selecionado por comitê técnico da FGV como finalista dentre 400 experiências brasileiras de defesa da cidadania infantil e juvenil. E que em novembro do mesmo ano, submetido a uma avaliação in loco foi classificado entre os vinte primeiros finalistas, tendo inclusive recebido um prêmio financeiro.
Rosélia destaca os benefícios diretos e indiretos verificados no cotidiano das famílias: elevação da renda familiar, aplicação criteriosa do recurso da bolsa em necessidades básicas, acesso e permanência dos filhos na escola e em equipamentos comunitários; redução do trabalho infantil, participação em projeto de capacitação, elevação da auto-estima. E conclui que o programa pode ser entendido como “um instrumento social positivo, ainda que de pequeno alcance, em face da ampla parcela da população de baixa renda não contemplada e à limitação dos recursos financeiros que lhe são destinados”.

A memória está sempre a nos pregar das suas. Faz poucos dias, ao passar por um ponto da 13 de Maio, me dei conta da ausência de um amarelinho. Ou de uma amarelinha. Aonde terão ido eles? Será verdade que o programa foi modificado? E o jaleco endossado pelos educadores com sua logomarca: “Criança Fora da Rua, Dentro da Escola”? A Secretaria terá tido o cuidado de conservar uma amostra do jaleco em algum lugar de sua memória? Talvez no Centro de Referência. E por falar no Centro, eu me pergunto e pergunto a Isabel Pontes e a Rosélia de Farias, que nele muito investiram de sua confiança. Rosélia, ou Bel, onde está  e o que faz o  Centro de Referência Maurice Pate (saudoso Diretor Geral do UNICEF)? Aquele centro plantado na Barão de Studart, em frente ao palácio da Abolição, com a finalidade de preservar estudos sobre a infância e a adolescência no Ceará e no Brasil? Ele era ladeado por uma creche modelo destinada aos filhos dos funcionários da Secretaria. E a creche, "quede" a creche?


A BÚSSOLA E O RUMO

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Finalzinho da tarde, ou começo da noite, tanto faz. Em Aracati, à saída do campus da FVJ, abordam-me duas alunas do curso de serviço social: “diga, por favor, o que se pode esperar de útil da disciplina sociologia”. Estava concentrado em contemplar, lá para onde o Jaguaribe se derrama no mar, um retalho de nuvem que mergulhava lentamente no reino das trevas. As cores indefinidas da paisagem crepuscular sugeriam, como resposta às alunas, algo de triste ou alegre. Ou algo de simplesmente neutro. Como reagiriam elas se lhes dissesse que a sociologia é uma bússola que indica o norte no emaranhado sombrio das ações e reações produzidas pelos humanos em seu viver cotidiano? Poderiam contestar que outras áreas de conhecimento também servem de bússola. E dedilhar toda uma ladainha: a história, a antropologia, a economia, a ciência política, o direito, as políticas públicas, as ciências contábeis, a ciência da administração, a criminologia, a filosofia, o serviço social, a lingüística, a literatura, a geografia humana…

Teria então de lembrar-lhes que a história fixa sua atenção nas ações humanas ocorridas no passado. Que a antropologia cuida das relações humanas no quadro de sociedades em estágios de desenvolvimentos diferentes daquele em que se encontra a nossa. E que a economia, ao lidar com a produção e a distribuição de bens, ocupa-se de mensurar os custos e benefícios das ações humanas. Além disso, teria talvez de vira-voltear em torno da idéia repisada de que nenhuma dessas áreas é estranha ao faro da sociologia. Por serem os humanos mutuamente interdependentes, também interdependem os conhecimentos que produzem. E o sociólogo não deixa de ser o intérprete das implicações sociais, políticas, econômicas e culturais decorrentes de fatores desenvolvidos no âmbito desses saberes.

Em meu tempo de estudante, nos anos contidos – ai de mim - lá pela sexta década do século passado, a sociologia se apresentava como estudo científico do social, seja no nível elementar das relações interpessoais, seja no nível macro dos grandes conjuntos, das classes, nações, civilizações ou daquilo que já surgia no horizonte como as sociedades globais. Passado tanto tempo, ainda me pergunto em que a sociologia afeta a minha vida. Continuo sensível ao seu papel esclarecedor. Ela me tem ajudado e creio que pode ajudar a muitos a melhorar a compreensão a respeito de nós, dos outros e das condições sócio-culturais em que vivemos nossas relações mútuas. Essa ajuda me parece particularmente oportuna nesse momento em que, no Chile, somos impactados pela intensidade humana vivenciada por trinta e três mineiros extraídos a fórceps do ventre profundo de um deserto e, no Brasil, somos provocados pelo estridor do apelo de dois contendores que nos pedem adesão a suas propostas de continuidade ou ressurgimento de todo um país.

E às alunas que dizer? Dizer-lhes que vale o esforço de introjetar a sociologia em nós mesmos, em nosso pensamento, nossa ação, nosso sentimento. Encarnar a idéia de que o pensamento sociológico ilumina, em inúmeras circunstâncias, aspectos da realidade, que, de outra forma, poderiam passar despercebidos. Esse pensar nos lembra, a cada instante, que somos vinculados uns aos outros. E que a sociologia oferece aos humanos e à vida dos homens e mulheres “o entendimento produtor de tolerância e a tolerância que viabiliza o entendimento” na palavra de dois sociólogos, Zygmunt Baumam e Tim May, autores do livro “Aprendendo a pensar com a Sociologia.


MÃOS À OBRA

Textos da Autoria de José Rosa Abreu Vale Data quarta-feira, 23 de março de 2011 2 comentários


12.03.2011. Mais um sábado de intenso intercâmbio entre os mantenedores da Faculdade do Vale do Jaguaribe, FVJ, e os dirigentes dos setores acadêmicos e administrativos. Com essa reunião, encerra-se longo processo de planejamento estratégico e de esforço coletivo, promovido com a finalidade de inserir na instituição uma cultura de participação e competência técnica.

Os mantenedores mostram-se receptivos em relação aos diferentes níveis de contribuição dos colaboradores. Estes, por sua vez, têm crescido na determinação de abraçar os objetivos e as metas planejadas.
Durante o levantamento e a análise dos dados, nada de escamotear problemas existentes. Nem de ter receio de assumir uma atitude cooperativa na busca de corrigir fragilidades.

A faculdade reúne ao todo 11 cursos: administração, turismo, pedagogia, letras, serviço social, enfermagem, educação física, processos gerenciais, recursos humanos, gestão hospitalar e, em breve, fisioterapia. Os cursos de pós-graduação articulam-se nas áreas de educação, saúde, empresariais, ambientais e tecnológicas.

Cerca de três mil alunos freqüentam hoje os cursos de graduação, pós-graduação e extensão. São pessoas oriundas de Aracati e de municípios da faixa litorânea e do Baixo Jaguaribe. Há alunos procedentes também do vizinho estado do Rio Grande do Norte.

Implantar um sistema de planejamento estratégico em uma organização educacional significa passar por dois momentos cruciais: a) formar um organograma funcional compreendendo grupos de trabalho bem integrados, conduzidos por lideranças criativas e b) construir um modelo de gestão orientado a promover a execução de atividades devidamente distribuídas no tempo (calendário). Para tanto, é preciso formar pessoas motivadas ao trabalho conjunto de prever, executar e avaliar ações de qualidade.

Ao avaliarem o evento, os participantes consideraram que os mantenedores têm sido atentos às observações dos responsáveis de cada setor. Que, entre estes últimos, há a preocupação de cooperar para o real crescimento da faculdade. E que, comparativamente ao passado, a reunião inaugurou um modelo novo de construir consensos entre o acadêmico e o administrativo-financeiro.

A esse respeito, convêm, observar que nem tudo são flores. Os muitos planos de ação propostos no planejamento estratégico dividem-se entre as duas áreas (acadêmica e administrativa) de modo não exatamente coerente, o que pode gerar interferências mútuas, daí resultando prejuízos para o bom andamento dos trabalhos. Na prática, nem sempre é possível à área acadêmica, em suas atividades fim, evitar a intromissão da área de gestão, como nem sempre a área de gestão, em suas atividades meio, deixa de receber a interveniência da área acadêmica. Os técnicos de planejamento reconhecem que se trata de uma questão a ser resolvida com o amadurecimento da organização. Sendo então possível pôr em prática saudáveis interdependência e complementaridade.

Outro ponto destacado foi a necessidade de prestar atenção aos critérios de definição dos cursos, considerando-se o seu impacto sobre a realidade. A pergunta é: que cursos promover em resposta a demandas manifestas ou implícitas detectadas a partir do estudo objetivo da realidade regional? Trata-se de buscar o justo equilíbrio entre cursos tradicionais básicos e cursos de aplicação a situações específicas.

Lembrou-se ainda que, no início, esperava-se mais rapidez no processo de implementação da faculdade. A crise que se abateu sobre a região provocou a diminuição do emprego, a tibieza na execução das políticas públicas e, em particular, a lentidão na execução de obras de infra-estrutura. Seja como for, a faculdade está ligada à idéia da retomada do crescimento em alguns setores da economia como, por exemplo, o turismo, a energia eólica, o aeroporto internacional, com possível impacto sobre a construção civil e a área de serviços em suas múltiplas ramificações.

Há também ameaças internas a serem enfrentadas: a inadimplência dos alunos, a carência de professores em determinadas áreas, o ritmo lento da expansão do campus. Diga-se, porém, que um dos méritos do encontro foi o de detalhar ponto por ponto os aspectos setoriais necessitados de atualização e de ações corretivas. Para a superação de cada um desses aspetos, metas, prazos de execução e responsáveis foram claramente definidos.
Quê falta agora? Quase nada ou quase tudo. Falta apenas dar continuidade à boa sinergia de “mãos à obra”.


UM DIA DE SÁBADO EM ARACATI

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20.02.2011. Dia movimentado no campus da Faculdade do Vale do Jaguaribe (FVJ) em Aracati. Continuam ativos os procedimentos diários do ano acadêmico: ajustes na lotação de professores, regularização da matrícula de alunos retardatários, construção de novas salas, além da inevitável pergunta no ar: haverá ou não carnaval na cidade dos bons ventos?

A pergunta procede, seja em virtude de medidas judiciais suscitadas pela crise da saúde pública no município, seja por causa da incerteza provocada pelo ritmo lento das obras na ponte sobre o Rio Jaguaribe.

A população, embora perplexa, não parece desanimar em sua tríplice expectativa de que se encontre remédio para a saúde, se acelerem as obras da ponte e aconteça a festa. Tudo está logicamente interligado.

Esse clima não entibia a disposição da faculdade de dar prosseguimento ao seu calendário. Apesar de ser sábado, encontram-se em curso dois eventos de impacto. Por um lado, estão reunidos os mantenedores com  os quadros dirigentes da instituição avaliando o ano de 2010 e ultimando o planejamento de 2011. Três pontos em pauta: organograma atualizado da graduação, inovações no modelo de gestão e aprimoramento da qualidade em pós-graduação.

Por outro lado, cinco bancas examinam os trabalhos de curso  de duas turmas de pós-graduação: 21 alunos apresentam seus trabalhos de conclusão da “especialização em ensino da matemática” às bancas examinadoras formadas pelos professores Álvaro Nunes, Lídia Lourinho, Everton do Nascimento (1ª banca); Antonio Suerliton, Auridete Fonteles, Maria Luiza Bento (2ª banca). Já 27  outros alunos discorrem sobre museologia tendo como examinadores os professores Roberto Xavier, Edson da Costa, Márcio Porto (1ª turma); Kleiton Santiago, Mário Henrique Benevides e Gerciane Oliveira (2ª banca); Mário Viana, Rafael da Silva e Patrícia Xavier (3ª turma).

O grupo “especialização em matemática” fixou a atenção em métodos e técnicas  que ajudem a tornar  mais eficaz o processo de ensino-aprendizagem da matemática. Os trabalhos apresentados foram avaliados pelos examinadores à luz dos critérios: objetividade e aplicabilidade dos textos; domínio do conteúdo e clareza de exposição por parte do aluno; referencial teórico e relação parcialidade- imparcialidade da pesquisa.

Os candidatos fizeram observações sobre o dia a dia escolar elevadas ao nível da reflexão científica e pedagógica. Foi possível perceber que os autores estão imbuídos da consciência de que é necessário ensinar matemática de modo inovador que ajude os alunos a vinculares, em dimensão interdisciplinar, raciocínio e motivação a outros conteúdos inscritos no projeto político-pedagógico das escolas. Cabe ao especialista em ensino da matemática a tarefa de lidar com essa articulação.


A turma de museologia penetrou a realidade histórico-cultural da região, destacando temas peculiares dos municípios: casas de memória, monumentos, tradições, casarões de Aracati, vestígios muitos de objetos que falam porque estão revestidos de história. Só para citar alguns poucos temas: “Museu do Sertão na cidade de Mossoró: entre representações e práticas culturais”, “Ponte Juscelino Kubistchek em Aracati: relevância histórica  e patrimonial”, “ O processo abolicionista gestado por Dragão do Mar: revisitando um patrimônio histórico imaterial”, “A comunidade do Caetano e a prática dos ecos-museus: história e memória na construção de identidades” “ O potencial educativo dos objetos do memorial de Beberibe”, “Um museu a céu aberto: museologia e o pensamento urbano de Aracati”. E outros e outros temas igualmente impactantes.

Esses trabalhos expressam uma dupla integração da Vale do Jaguaribe ao contexto educativo e sócio-político em que está inserida. A especialização de professores de matemática junta-se ao trabalho de especializar professores em línguas, particularmente Português, ficando assim evidenciada a sua contribuição para  formar jovens em expressão oral, escrita e cálculo, competências estas indispensáveis ao bom desempenho das escolas da região. Por outro lado, a faculdade incute nos professores a capacidade de ensinar os alunos a dialogarem com a riqueza material e imaterial dos objetos, das tradições, da historicidade da região onde vivem. O que os leva  a assimilarem, com desenvoltura, outras dimensões da realidade: no estado, no país e no mundo.


LIBERDADE DELES E NOSSA

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16.10.2007. Como secretário estadual do Trabalho e Ação Social, presidi hoje a inauguração do Centro Educacional São Francisco, construído ao lado do Centro São Miguel com aporte financeiro do governo federal. Valor da obra: R$ 350 mil. Presentes ao evento: autoridades do Executivo, Judiciário, Ministério Público, policiais e representantes de organizações não-governamentais.

Em breve introdução, lembrei, com alguma lucidez, que o destino ideal do prédio seria o de ter a menor ocupação possível. Previsto para abrigar 45 jovens em regime de privação de liberdade, espera-se que possibilite a separação dos autores de infração de maior complexidade, lotados no São Miguel, dos meninos responsáveis por ações menos graves. Estes ficarão no São Francisco.

Com isso, o Ceará dá um passo no reordenamento da política de proteção integral e afasta das casas de privação o monstro da superlotação e o fantasma da promiscuidade. É imperioso tudo fazer para que sejam acolhidos em ambos os centros um número de internos sempre inferior ao que podem comportar. Seria puro sadismo supor que quanto mais meninos recolhidos indiscriminadamente melhor estaria funcionando o sistema.

É justamente o contrário o que está inscrito no espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ele trata do assunto na parte dedicada às medidas sócio-educativas, que incluem: advertência pedagogicamente orientada, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e inserção em regime de semi-liberdade.

Destaque-se o fato de que a construção do São Francisco foi planejada em bom entendimento do Executivo com o Judiciário, o Ministério Público, as corporações policiais e representantes de organizações da sociedade civil. Insistiu-se, nas reuniões preparatórias, sobre a importância de conferir maior agilidade aos processos com vistas a suscitar no jovem a consciência da proximidade entre o ato infracional cometido e a medida sócio-educativa aplicada.

Convém sublinhar também a urgência ética de promover nos internatos um ambiente favorável à superação do quadro amorfo da ociosidade no seu dia-a-dia. Para tanto será indispensável dar vida e regularidade às ações de educação formal, às atividades profissionalizantes, aos momentos de lazer e cultura, assim como às dinâmicas de integração interpessoal.
Tudo isso constitui função básica dos educadores sociais chamados a lidar com os jovens internos. Em seu desempenho profissional, devem ter profundo conhecimento não apenas do Estatuto, mas dos jovens autores de infração em suas condições de vida social, familiar e pessoal. Só assim poderão assimilar devidamente as características de suas personalidades e o seu potencial de ressocialização.

Aos operadores do direito cabe a urgente tarefa de refletir sobre o paradoxo presente na tensão entre os dois papeis atribuídos, na legislação, à privação da liberdade: “punir e recuperar”. Como conciliar os termos desse paradoxo? Como tornar possível educar esses jovens para o exercício da liberdade em um espaço e um tempo marcados pela negação da liberdade?  A pergunta é pertinente. A resposta nem sempre tem sido suficientemente elucidativa.

É obrigação da comunidade, enfim, contribuir para que se escancarem as portas dos estabelecimentos onde os jovens cumprem as citadas medidas. Essa abertura deve ocorrer não só em relação aos familiares, mas ao olhar das chamadas forças vivas da sociedade. Todos devem ter a possibilidade de conhecer o atendimento pedagógico dispensado aos jovens, criticar ou apoiar a ação dos órgãos públicos, incentivar a correta aplicação das medidas, de modo que elas resultem em instrumento eficaz de construção da cidadania e da liberdade dos meninos. De nossa liberdade e de nossa cidadania de adultos.


ROMARIA IBÉRICA

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Hoje, 19 de julho de 1965. Acabo de pisar o solo espanhol em San Sebastian. Somos uma caravana de 20 pessoas: 15 jovens concludentes do curso secundário e o vigário de Saint-Georges-de-Luzençon (França, Região Midi-Pyrinées, Departamento de Aveyron), o motorista, Pierre, Jean e eu. Foi Pierre, meu colega em um curso intensivo de um ano na Universidade de Estrasburgo, que me convidou para ser guia e intérprete numa viagem por Espanha e Portugal.

No programa, previsão de dormir esta noite em um camping em Burgos. Numa parada no monte Iguelda, em frente a um parque de diversões, surgiu o convite: “Vocês querem rir? Então entrem. Entrem, senhores, entrem no Grande Labirinto. Terão as mais alegres diversões: risa, broma, humor, alegria y musica. Dos ricos varões aos de pouca renda (pequeño sueldo), ninguém deixa Igueldo sem ver estas atrações”.

Em Burgos, no pedestal da estátua de Cid, El Campeador: “Levando consigo sempre a vitória, por sua nunca frustrada clarividência, pela prudente firmeza de caráter e por sua heróica bravura, um milagre dos grandes milagres do Criador”.

Ao guia coube explicar não só quem foi o Cid, mas que aos espanhóis agradam declarações grandiloqüentes e avisos como este pregado à porta de uma das igrejas visitadas: “Mulher cristã, por respeito ao templo, evite entrar sem meias, sem que a manga cubra o cotovelo, com decote exagerado, sem que as saias cubram convenientemente os joelhos”.

Em Salamanca, hora da sesta. Muita gente dorme. O sol em fogo ardente. Não importa. A hora é propícia para vagabundear pela cidade. Em cada esquina, um monumento. Na igreja de Vera Cruz, uma religiosa em profunda contemplação ao Santíssimo Sacramento. Em redor do Santíssimo, o mundo “plateresco” do céu barroco espanhol. A forma branca da contemplativa traz a lembrança de Santa Tereza, a que nasceu em Ávila.

Em Tordesilhas, não vimos traço do tratado arbitrado pelo papa Alexandre VI, pelo qual o Brasil, antes de existir oficialmente, foi cedido a Portugal. Encontramos, sim, uma mulher que enchia sua ânfora na fonte, e fez questão de me confundir com um alemão. Não que eu pareça um alemão, mas a mulher precisava dizer a todos que ihr Mann, seu marido, trabalha na Alemanha, como o fazem muitos outros (espanhóis, portugueses e mediterrâneos). Marido na Alemanha dá status.

No percurso até Salamanca, algumas constatações. Rudez: é rude o clima, é tosco o chão, áspera a arte, duro o esporte (as touradas). As mulheres quase sempre de preto. Cegos vendendo bilhetes de loteria. Culto do Santíssimo Cristo: cabelos postiços, lança cravada ao lado direito. À noite, muita vivacidade popular, mas pouca alusão à vida política (como na Itália e França p. ex.)

Deixamos Espanha em Fuentes de Oñoso e entramos em Portugal por Vilar Formoso. Na alfândega, o agente lembra que os brasileiros têm “mais regalia” e me carimba no passaporte seis meses de permanência. Não será preciso tanto. Parada em Guarda para comprar a comida do almoço. O almoço ocorreu em uma sala da igreja da Misericórdia, com autorização do sacristão. Os franceses vibram com a beleza dos móveis e com a acolhida. Mas antes de chegarmos nós à sala da igreja, chegaram ao mercado os músicos com uma gaita de fole, dois tambores e uma marchinha bem ritmada.

As vendedeiras esqueceram as vendas e os clientes. Abraçaram-se umas às outras e, pés descalços, se puseram a dançar. Uma delas era gorda, um tanto idosa, um tanto feia. Mas dançava e ria e, durante três minutos, foi pássaro, abelha, flor, vento, miragem. Voltou à banca a tempo de ouvir meu alerta sobre as abelhas pousadas nos doces que vendia. E ela, eufórica: “oh, meu senhor, os bichinhos de Deus também têm direito de gostar do que é bom”. Oh, como têm.
A poucos quilômetros de Guarda, Belmonte. Aqui nasceu Cabral, aquele que (por descuido?) deu com o costado no Brasil. Em Castelo Branco, somos recebidos nos jardins do Paço e depois vamos ao seminário, onde ocorre interessante debate franco-lusitano. À pergunta de um dos franceses (mais França ou Portugal?) respondo que, posto na balança, meu coração pende para Portugal.

Ao passar por Porto-Alegre, pensei mostrar ao grupo uma fábrica de cortiça em funcionamento e explicar a importância da produção das tampas de garrafa do vinho francês na economia local. Impossível. É sábado. Em Évora, tomou-se a decisão de ir direto para Lisboa sem parar em Setúbal. Ligo para Maria Tereza, e explico a mudança. Maria Tereza, também ela, foi minha colega de estudo em Estrasburgo. Seu pai, um almirante da reserva, e sua irmã Helena foram muito acolhedores. O almirante nos deu lição sobre mares por ele navegados. Explicou a arquitetura de sua casa, inspirada na planta de um navio.

Maria Tereza e a irmã facilitaram as visitas aos pontos turísticos da cidade (monumentos, tourada, fado, banho de mar) e contatos com grupos de orientação católica em oposição ao regime, e com jovens marcados pela participação forçada na guerra colonial. É o caso do noivo de Maria Tereza.

A permanência no camping favoreceu contatos com famílias portuguesas que deram indicações preciosas para o retorno em direção ao norte, até chegar a Santiago de Compostela. Isso facilitou bastante a acolhida em Alcobaça, Batalha, Nazaré, Fátima e Braga. Ajudou também a desfazer em alguns jovens franceses certo tipo de visão estereotipada e de preconceito. Encontro com o engenheiro Calvário e familiares. Ele me levou a conhecer o Arquivo Histórico Ultramarino e fez de tudo para me convencer a pleitear uma bolsa da Fundação Gulbenkian para uma temporada em Lisboa.

Durante a viagem, o grupo pernoitou quase sempre em campings. Vez por outra, foi possível dormir em albergues ou em casas de religiosos. Tinha-se então a oportunidade de um banho em regra e de lavar camisas e peças íntimas. Em Fátima, o pernoite foi excelente. Depois do jantar, visita à capelinha construída no lugar onde se deram as aparições. Um frade capuchinho falou da dimensão espiritual da visita. Fiz a tradução simultânea. Dois jovens levantaram objeções. O frade respondeu com serenidade e respeito. Os jovens não revidaram.

Na manhã seguinte, visita ao santuário, e mais uma avaliação da viagem. Foram citados casos que tocaram fundo os membros do grupo. Superação de idéias preconcebidas sobre os dois países visitados e seus habitantes. Reconsideração dos modelos próprios de compreender, julgar e sentir, a partir dos valores percebidos nas populações locais.

Santiago de Compostela. Cada um subiu ou deixou de subir a escadinha atrás do altar. Cada um beijou ou deixou de beijar o manto do santo à altura do ombro, como têm feito peregrinos desde a Idade Média. Um dos jovens disse, durante a avaliação, que não seria razoável duvidar dos sentimentos das pessoas. Mas não se sentira capaz de fazer o gesto do beijar o santo, por uma questão de autenticidade.

Entre os adultos do grupo, foi Pierre quem mais dialogou com cada um dos jovens. Todos concordaram com ele quando explicou que a viagem estava sendo uma romaria em busca de ampliar a compreensão do mundo e das pessoas. De tornar mais abrangente a própria percepção da realidade: “Só um espírito verdadeiramente universal pode captar a riqueza do particular”.
Retorno a Saint-Georges e ao tempo que virá.


UM PROCESSO EM MARCHA

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O Fórum Social, em sua 11ª etapa de peregrinação mundial, acaba de montar a sua tenda na cidade de Dacar, capital do Senegal. Representantes de 123 países, num total de 50 mil pessoas, debatem o tema geral “As crises do Sistema e das Civilizações”. Os organizadores pretendem dar um tratamento didático ao assunto, distribuindo-o em alguns sub-temas: “A dimensão mundial da crise”; “A situação dos movimentos sociais e dos cidadãos” e “Os processos dos fóruns sociais mundiais”.

Parece, porém, que a realidade do mundo e dos povos caminha mais depressa do que as idéias dos formuladores políticos e sociais. As situações temáticas anunciadas correm o risco saudável de serem embaralhadas, seja pela enorme afluência de participantes com aspirações não necessariamente convergentes, seja pelas explosões recentes ocorridas nos países árabes, que podem forçar uma queda de ponta-cabeça nas linhas de reflexão.

Não se pretende com isso diminuir o papel importante do evento em seu anseio de difundir a idéia de que é possível implantar mundo afora uma nova ordem social diferente daquela que aí está.

É bom que o fórum esteja a acontecer, mais uma vez, na África.  A África não é um lugar qualquer. É um continente marcado pela herança de um processo histórico incompleto, abortado pela dimensão trágica da colonização. Rica em potencialidades é uma terra extorquida de seus filhos (seres humanos) e de sua fauna, sugada de suas matérias primas, ferida em sua identidade cultural.
Impossível imaginar o que se passa em Dacar sem considerar que o evento é fruto de um “processo em marcha” alimentado pelo engajamento político de muitos, assim como pela reflexão silenciosa de outros.

A conjunção do Fórum como mobilização social e da África como cenário a clamar por alternância (ou, como dizem, por um altermundialismo) me estimula a extrair do baú da memória as figuras de dois cidadãos, que, cada um a seu modo, têm muito a ver com o que ocorre em Dacar. Um é brasileiro, Francisco Whitaker, o Chico, o outro é o  benim Basile Kossou  (de Benim, antigo Dahomey – África).

Chico, pensador atuante, é mais que um artesão a entrelaçar os fios de muitos panos. É também um alfaiate. Ao lidar com o tecido social, engendra diálogo e interlocução. Foi assim em seu tempo de Paris, em São Paulo como vereador, em Brasília como consultor da CNBB. E lá está ele em Dacar, estrategista e pedagogo, a descrever melhor do que outros aquilo em que consiste o processo do fórum.

Põe em destaque cinco aspectos inovadores do FSM: 1. criação de um espaço internacional aberto a todos que compartilham o objetivo geral do Fórum: 2. espaço propício ao reconhecimento mútuo, à troca de experiências e ao estabelecimento de novas alianças; 3. na luta política,  a  positiva diversidade de ações  e a autonomia dos  diferentes atores; 4. modelo  de nova cultura política , baseada na horizontalidade das relações, na co-responsabilidade e busca de consenso e 5. ainda em gestação: afirmação do altermundialismo como movimento multiforme que amplia a ação política para além dos partidos e do poder político. Com quase 80 anos, Francisco Whitaker exala sua perene juventude ao falar do Fórum como “processo em marcha”.

Basile Kossou. Infelizmente Basile já não pode estar em Dacar, cidade onde viveu em sua juventude como membro da equipe regional do Movimento Internacional dos Estudantes Católicos. Conheci-o quando na França estava concluindo sua tese de filosofia sobre a noção de SÈ, o que, dito em outras palavras significaria: reflexão sobre o sistema sociocultural dos FON, habitantes do sul de Dahomey.

Ele tinha então 25 anos. Era um jovem disponível à escuta. Um espírito dotado de fina maturidade filosófica. Dele recolhi, em 1969, uma entrevista publicada na revista VISPERA de Montevidéu. A análise que fez então da realidade africana aparece hoje de extraordinária atualidade. Faleceu há alguns anos quando animava em seu país um instituto ligado à UNESCO e relacionado à causa do desenvolvimento. Na entrevista, falou de sua Agbome natal, ex-capital de Dahomey, cidade museu cercada de fossas, acessada por meio de pontes levadiças como nos castelos medievais. Ao lembrar esse detalhe, comentou: “Quando existem fossas, é indispensável construir pontes”. 

Conhecendo o seu espírito aberto ao diálogo, encerrei a apresentação da entrevista com estas palavras: “Talvez um dia se possa dizer de Kossou que foi um cidadão da África e que sua missão consistiu em erigir pontes entre o continente e o resto do mundo”. Hoje, se tivesse podido, ele se encontraria à vontade em Dacar para concordar com o Chico. Segundo o Chico, a aposta maior do Fórum Social Mundial é a de “construir um, duzentos, milhões de espaços de encontro. Em todas as suas variantes”.
10/02/2011


PEDRA VERSUS PEDRA

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O Clube de Xadrez de Aracati, coordenado por Laércio Rodrigues e Mateus de Freitas, desenvolve na escola Beni Carvalho, o projeto “Xadrez na Escola: uma ferramenta pedagógica”. O clube tem o apoio do diretor da escola, o professor Hélio Rodrigues, e conta com a parceria da FVJ mediante duas bolsas de estudos concedidas aos dois coordenadores que são alunos de Educação Física e Letras e atuam como  monitores das aulas de xadrez.

O projeto tem por objetivo melhorar o desempenho escolar dos meninos, além de diminuir a repetência e a evasão. Visa também desenvolver neles habilidades múltiplas e moldar a evolução harmoniosa de suas potencialidades. As atividades são desenvolvidas ao longo da semana, em horários adequados, para alunos nas faixas etárias de 07 a 10 e de 11 a 17 anos de idade.

Parâmetros de observação corretamente aplicados possibilitam avaliar o desempenho das crianças e adolescentes quanto ao nível de assimilação dos conhecimentos técnicos do enxadrísmo, assim como dos valores sócio-afetivos próprios do desenvolvimento da pessoa: assiduidade e pontualidade; solidariedade; responsabilidade; empenho e participação; autonomia; interesse; trabalho em equipe; raciocínio lógico-matemático, curiosidade científica; respeito pelas opiniões alheias; cumprimento das regras de convivência e segurança.

Por falar em convivência e segurança, foi possível constatar, em rápida conversa com alguns membros do Clube de Xadrez – Ivan Silvério, Cláudia Feitosa, Luis Feitosa, João José Monteiro Lima -, a importância que atribuem ao projeto Xadrez na Escola como fator de prevenção ao consumo de drogas por parte de crianças e adolescentes.  Aracati, como outras cidades do interior cearense, assiste com apreensão o crescimento do consumo de crack, que se vende sob a forma de pedras.

O projeto oferece à escola algo de vivo capaz de opor-se às pedras da sustância química (crack) que confunde o espírito, amolece o corpo e distorce os gestos daqueles que a consomem. Contra as pedras de crack a escola propõe as peças de xadrez que podem ser chamadas pedras. Pedras que se articulam em um jogo inteligente e vital propício ao bom desenvolvimento da mente e da personalidade.


PRESENÇA DE DOM HELDER

Textos da Autoria de José Rosa Abreu Vale Data terça-feira, 22 de março de 2011 0 comentários



Se vivo fosse, ele estaria completando 102 anos neste sete de fevereiro. Nascido em Fortaleza em 1909 e falecido em Recife aos 27 de agosto de 1999, Dom Helder Câmara teve uma vida marcada pela fome de libertação e a sede de justiça. Sua verdadeira pátria foi mais extensa do que seu país. Sua dimensão espiritual extrapolou as fronteiras humanas de sua igreja. Sua mensagem não se esgotou na repetição de obviedades. Era adepto da palavra falada. Sua voz pairou sobre o cenário do mundo.

Ele conseguia mover-se incólume no labirinto das contradições a que podem estar sujeitas as ações humanas mais generosas. E mostrar, com dados à mão, até que ponto os poderes são capazes  de oprimir o homem, quando os projetos políticos escapam ao controle do homem e desencadeiam mecanismos destinados a perpetuar seu sacrifício. Ele tinha claro que a opressão não desfaz a consciência da liberdade e da justiça nem aniquila a força daqueles que lutam pela reconquista de ambas.

Líder desenvolto no interior do aparelho eclesiástico, firmou-se como um dos arautos da inovação eclesial. Membro disciplinado de uma religião triunfalista, conseguiu inspirar a muitos o sonho de uma igreja servidora, comunidade de salvação. Com trânsito livre junto às elites e hierarquias, sabia como escavar o chão árido das estruturas dominantes para delas fazer jorrar uma fonte de vida. Nunca perdeu de vista os pobres. Para ele, pobreza não era abstração, mas a realidade concreta de seres em situação palpável de carência de quanto lhes é indispensável à própria sobrevivência.

Tinha consciência de não ser um teólogo, mas sabia como ninguém animar a reflexão teológica. Durante sua vibrante atuação nos corredores e adjacências do Concílio Vaticano II, nunca falou em plenário. Nas palestras, proferidas a convite, sua palavra, falada e escrita, sobretudo quando expressa em francês, era simples, despojada, sempre complementada por seus famosos gestos teatrais. “Eu falava com as mãos”, lembrou ele no livro Les  Conversations d’un Évêque,  elaborado a partir de diálogos com o jornalista francês José de Broucker.

Impossível esquecer duas cenas presenciadas por mim em 1974 a poucos dias uma da outra. A primeira em Friburgo, Suiça, quando lhe foi outorgada, no auditório da Universidade, a homenagem acadêmica de doutor honoris causa. Foi então muito aplaudido pelo grand monde do saber e da reflexão. A segunda em Bruxelas, durante almoço em barulhento restaurante popular. Quando o apresentador do jornal televisivo anunciou sua presença no estúdio para uma entrevista, o grande salão se fez silêncio e foi possível sentir a magia que sua palavra e sua imagem transmitiam a um público heterogêneo formado de comerciários, trabalhadores de pequenas oficinas e empregados de setores de serviços.

De Dom Helder, quê mensagem destacar? Não sei se ele leu, e com que frequência, a obra de Albert Camus, o renomado escritor francês. Chego, porém, a imginá-lo atento em suas meditaçõs a este trecho dos Carnets: “O cristianismo é pessimista em relação ao homem e otimista quanto ao destino humano”. Como Camus, ele parece ter penetrado fundo na apreensão da condição humana. Mas, ao contrário do autor da Peste, que se dizia “pessimista quanto à condição humana e otimista quanto ao homem”, o Dom – como o chamavam os íntimos – era otimista em ambas as circunstâncias. Ele inspirou a ideia de que o homem, chamado a transformar o mundo, devia transformar-se a si mesmo. Era ativo. Propunha a criação de espaços individuais e coletivos nos quais a conquista da liberdade e da justiça se impusesse como tarefa inadiável.

Cumpre lembrar, enfim, que Dom Helder era ecumênico. Ele enxergava longe e via a todos como irmãos. A consciência da fraternidade, fundada na relação a um Pai comum, dispensava-o dos volteios acadêmicos e o levava a transmitir, com palavras simples, o vigor de suas intuições e de sua eloquência. Dom Helder tinha pressa. Pedia que, ao reconhecermos que somos irmãos, puséssemos em prática o exercício da solidariedade. Os meios para tanto não faltariam. E aos que murmuravam que a sua era a voz de quem clamava no deserto, ele respondeu com pequeno livro cheio de vida, publicado em fracês sob o título Le Désert est fertile. O Deserto é fértil.


A DERIVA DAS ÁGUAS

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Há perguntas lançadas ao leu, não para suscitar esclarecimento, mas com o propósito de confundir. Tendo por pano de fundo a tragédia que se abate sobre o estado do Rio, FJ quer saber qual “o limite entre aproveitar os meios que a natureza põe à nossa disposição e o não abusar dela”. E logo acrescenta: “Como não considerar belas essas imagens da televisão que destacam o sumiço da paisagem, a destruição do ambiente, a erradicação da vida e de seu ordenamento?”

Calma, FJ. Deixe ao interlocutor o tempo de assimilar o sentido de suas perguntas. E por favor tenha piedade, se não houver resposta ou se a resposta não lhe trouxer a satisfação desejada. Seu interlocutor também se interroga.

As imagens da tragédia. Você encara algo que, como dizem os latinos, objacet: está à sua frente. São imagens carregadas de realidade objetiva, como é carregada a nuvem antes de transmudar-se em chuva. É a imagem da casa, antes de a casa ruir. São imagens das casas antes de serem as casas arrastadas  pelas árvores. E são as árvores e as casas antes de sucumbirem árvores e casas ao impulso da água e da terra e ao peso da própria massa. É a imagem refletida da massa pastosa que soterra os homens, as mulheres, as crianças e os bichos, todos feitos iguais na morte da vida, na noite da morte. É o porto inseguro da vida à deriva.

Ou seja, você mal viu a forma das coisas e já sofre o impacto dos destroços em movimento. Percebe que a casa já não é casa, mas algo em desmancho e desfiguração. O rio deixa de ser rio, espraia seu leito no eito das roças, nas ruas de casas. Não pede passagem. Adentra e  invade. Destrói  e  inunda.   As casas se abrem, eviscerando os pertences das famílias e  eventrando as próprias  famílias de suas dores, do seu sofrer. A paisagem também deixa de sê-lo, tornada desfazimento de tudo que –  com a casa, o rio, a roça, a rua e demais coisas da vida – se esvai.

Dentro de você – além do que vê, aquém talvez do que mensura – algo o incomoda, que não é mera imagem. Será medo, compaixão? Ou a impregnação resultante do vínculo que se estabelece entre aquele que vê (sujeito – subjetivo) e aquilo que é visto (objeto – objetivo)? Os filósofos mexem e remexem esses vínculos na tentativa de extraírem valores das entranhas da tragédia.

Valores: aspectos prenhes de sentido, força e fecundidade que vinculam não só os termos do olhar (aquele que vê àquilo que é visto), mas presidem a própria ação criadora dos vínculos. Você deve, pois, ser você, na montagem da relação solidária com os outros e tudo o mais, como a aranha é aranha no emaranhado da teia vinculante.

O homem, ao estabelecer-se como tal, deve escapar ao distanciamento do olhar objetivo e abrir-se ao acolhimento da identidade do outro e da intersubjetividade: influências mútuas, experiências recíprocas. O espanhol repetiu à exaustão: “eu sou eu e minhas circunstâncias”. Nesta sofrida circunstância fluminense tocada pela mão súbita da  natureza sobre o cenário histórico construído lentamente pelas mãos de humanos, somos todos chamados a recompor os vínculos, a repensar  os trajetos, a repaginar o quadro de nosso existir no espaço de uma natureza que precisa com urgência ser mais bem conhecida e respeitada.

As dúvidas de FJ certamente me acompanharão por mais um pouco. Elas afloram a cada cena ou comentário da televisão. Impossível não ficar atento às análises dos peritos em diferentes saberes. Impossível também não sentir um quê de déjà vu nas críticas repisadas quanto ao passado e nas promessas quanto ao futuro. Essa tragédia nos diz que vivemos em um país de extremada pobreza política: a política sendo  indispensável à promoção de razoável equilíbrio da vida em comum.

Conhecemos mal as questões ambientais. Pouco sabemos como articular a integração dos sistemas e das espécies da natureza. Uma nossa cultura antropocêntrica de apropriação predatória dos bens naturais expõe a nossa condição humana a ameaças constantes tanto nas áreas rurais quanto em meio urbano. Sem insistir na crônica anunciada das tragédias sazonais, somos entregues à ditadura constante de uma infraestrutura destroçada e do automóvel, que, com incrível regularidade, desfiguram a paisagem, paralisam a mobilidade, ceifam vidas. Enquanto a vida, com renovada teimosia, insiste em pulsar, tangida a distância pela luz bruxuleante de uma estrela.


IVAN ILLICH - PROFETA OU SONHADOR?

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Deparo, por acaso, com um texto de março de 1974 rascunhado no trem entre Paris e Friburgo na Suíça. É o resumo de um debate organizado pelo Centro Católico de Intelectuais Franceses em torno do pensador e animador cultural Ivan Illich, um dos fundadores do Centro de Informação e Documentação – CIDOC, de Cuernavaca (México).

As iniciativas do CIDOC interagiam com outras tantas, desenvolvidas mais ou menos informalmente, na ambiência conciliar e pós-conciliar e no espírito de maio 68. Assistia-se, então,  a algo como a emergência dos conteúdos de uma universidade aberta ou, como se diria  hoje, dos componentes de uma rede virtual.

Illich, nascido em Viena em 1926, filho de pai jugoslavo e mãe de ascendência judia, faleceu em Bremen (Alemanha), em 2002. Seu nome parece atualmente um tanto esquecido. Mas é possível que a aparência engane. Uma rápida busca na internet possibilita constatar que sua mensagem ainda inspira inúmeros grupos de estudos, seminários, publicações e outras atividades interculturais. Sua reflexão continua bem acolhida junto àqueles que se ocupam de políticas públicas, notadamente das questões educacionais.

Em 1974, embora seu ideário se afinasse bastante com o de outros pensadores (Hans Küng, Gustavo Gutierrez, Helder Câmara, Paulo Freire, Tissa Balassuryia…), foi sobre ele que recaiu a atenção de um jornal francês: “ou se trata de um inofensivo ilusionista a ser esquecido ou de um profeta cujas idéias merecem ser examinadas de perto”. O ambiente europeu de então propendia para a segunda hipótese. A prová-lo, o êxito da venda de seus livros e a afluência de pessoas (mais de 400) presentes ao debate daquela noite em Paris.
Como debatedores, destacavam-se duas figuras conhecidas na cena pública francesa. Por um lado, o jornalista e escritor Jean-Marie Domenach, membro da resistência durante a segunda guerra e até sua morte (1997), redator da revista Esprit, fundada pelo filósofo Emmanuel Mounier. Por outro, o político Jacques Delors, membro do Partido Socialista, ministro da economia, presidente da Comissão Européia durante 10 anos (por indicação de François Mitterrand e Helmuth Kohl), lembrado por ter sido autor e coordenador do relatório para a UNESCO sobre a Educação para o século XXI, intitulado “Educação, um tesouro a descobrir”, que expõe os famosos “Quatro pilares da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser”.

Guardo os traços  fisionômicos de Illich: olhar arguto, rosto enxuto, sorriso cáustico, mímica dramática. Sua voz bate sem piedade no modelo socioeconômico dominante nas sociedades desenvolvidas. Modelo que ele considera fadado a não durar no tempo nem a se expandir no espaço. Trata-se, segundo ele, de um modelo doente, afetado não apenas por fatores externos, mas por seu dinamismo interno centrado na busca de progresso e crescimento. Nem é o caso, em sua opinião, de imaginar um novo tipo de expansão, como sugerem alguns espíritos igualmente argutos, para os quais o crescimento constitui um dado irrefragável.

Illich é radical. Não crê que o progresso traga consigo o “melhor”. Afirma, ao contrário, ser ele portador de frustações, desgastes e coações cada dia menos suportáveis. A seu ver, a dinâmica do crescimento seria impulsionada por sofisticados mecanismos que escapam ao controle do homem e até o dominam. O excesso de produção, por exemplo, leva à “contraprodutividade” que acentua o desperdício de bens e, não raro, manifesta até a inutilidade dos conhecimentos acumulados. Diante disso, torna-se de ética urgência reconsiderar as necessidades produzidas artificialmente e identificar uma maneira nova de atender a demandas surgidas no quadro de autêntica dimensão humana.

Sem dúvida, Ivan Illich situa-se na linha dos utópicos. Mas a sua utopia não é normativa. Ele mesmo declara: “eu não proponho uma utopia normativa”. Ele é um profeta, e como tal, não mostra o caminho. Diagnostica rigorosamente o mal, mas não propõe o remédio com a mesma nitidez. Não diz como as coisas devem ser. Limita-se a desvendar a necessidade e a possibilidade de as pessoas e os grupos, no exercício de sua autonomia, reinventarem os meios de enfrentar os problemas que ele descreve. Tangido por essa convicção, passa ao largo dos termos tradicionais  da luta social. Ou da luta de classes.

Como lhe parece  difícil sobreviver numa sociedade marcada por muitas e profundas desigualdades, ele apela para a “convivialidade”, o contrário da produtividade industrial e que não pode existir sem que o homem controle os meios de produção, em vês de ser por eles dominado. Uma sociedade “convivial” é a que oferece condições para a existência da liberdade concretizada mediante a utilização de instrumentos eficazes de ação.

Como explicar a atração exercida por Illich na Europa de então? É bem provável que sua mensagem incidisse  sobre a consciência de uma sociedade opulenta no momento em que começava a sentir na própria carne enferma os limites do crescimento. Era como se houvesse uma conivência entre as suas idéias sobre a sociedade e as inquietações desta última: sentimentos de saturação, perda de sentido, falta de autonomia. Illich tinha o dom de descobrir a enfermidade com uma precisão tal que o enfermo se reconhecia de bom grado em seu diagnóstico.

(Era propósito desta nota comentar o impacto do pensamento de Illich sobre algumas instituições da sociedade, notadamente a educação. Em virtude da limitação de espaço, permita-me o eventual leitor voltar ao assunto oportunamente. JR)


AO LONGO DA ESTRADA EM DUPLICAÇÃO

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Ontem choveu muito em Fortaleza. Hoje a paisagem permanece nublada ao longo do trajeto que leva a Aracati. Acompanham-me dois professores que devem participar de uma reunião na Faculdade do Vale do Jaguaribe. A estrada se encontra em processo de duplicação. Os professores me interrogam sobre o impacto das obras na vida cotidiana das comunidades ribeirinhas. Proponho-lhes ouvir ao longo da estrada a palavra de algumas pessoas conhecidas.


Uma palavra da gente do César Ribeiro, dono do engenho Cana dá. Ali se fala em transformar, com os recursos da desapropriação, o rústico engenho atual em um parque temático centrado no mel e em seus derivados.

Uma palavra do bom amigo Tarcisio Holanda – herdeiro de renomada família pindoretamense – replantado no sítio Terra Sã, onde, entre frutas e outras tapiocas, prepara suculentos quebra-jejuns.

É difícil encontrar o Pedro Colaço para ouvi-lo sobre a idéia que o levou a montar um restaurante em Beberibe, como fator de integração da carne de avestruz ao paladar cearense. A pergunta a fazer-lhe seria: “Em que pé se encontra o projeto?”.

Em outras paradas, o assunto é mais diretamente a estrada e as vicissitudes da reforma: por quê estes e não outros traçados; quem lucrou e quem perdeu no carteado das desapropriações; atrasos previstos e avanços imprevistos; o tempo necessário para absorver culturalmente as novas referências surgidas na paisagem. Tarcisio Holanda, otimista, considera o lado bom da duplicação: 

“Desde que”, diz ele, “se invista pesado na formação cultural e profissional da moçada desses municípios”.

“Formação da moçada”. Não tem sido outro o sonho da FVJ que se pergunta diariamente sobre as perspectivas do desenvolvimento sustentável da área geopolítica em que está inserida: os municípios da faixa litorânea leste, os municípios ao longo do baixo e médio jaguaribe, sem esquecer cidades do vizinho estado do Rio Grande do Norte. Sua primeira preocupação tem sido dar consistência aos onze cursos já aprovados pelo MEC, todos eles na modalidade presencial. Ao mesmo tempo a faculdade percebe que para atender a “moçada” disseminada ao longo de muitas estradas será indispensável recorrer ao instrumental da educação a distância, modalidade de ensino que está ganhando volume e sentido nos vários pontos do país.

Muito já foi feito para adequar as condições operacionais da faculdade às múltiplas exigências da educação a distância. Um grupo especifico de professores já recebeu capacitação para que, chegado o momento, façam a transição harmoniosa da modalidade presencial à modalidade a distância. A faculdade está planejando também a estrutura necessária em pontos estratégicos do estado para facilitar o acesso dos alunos aos momentos presenciais obrigatórios.

Seminários têm facilitado a compreensão das características didático-pedagógicas da EAD que não a distanciam das melhores características do bom ensino presencial. O curso a distância não é necessariamente melhor ou mais rápido do que o presencial. Mas na EAD algumas conquistas são bastante nítidas: a flexibilidade que permite ao aluno conciliar seus compromissos profissionais e pessoais com as disciplinas em estudo; a organização do tempo que lhe facilita realizar as atividades acadêmicas no ritmo proposto pela instituição e em sintonia com a orientação dos professores e monitores e a autonomia que constitui a meta fundamental de todo processo pedagógico em qualquer modalidade de ensino e aprendizagem.

Enfim, é possível fazer uma analogia entre a estrada litorânea em duplicação e o projeto a distância da faculdade. A primeira visa agilizar as condições do tráfego, conferindo-lhe sentido duplo, segurança, comodidade e ganho de tempo. O segundo busca fazer chegar às pessoas e às comunidades em situação de distanciamento os serviços educacionais de modo organizado e em calendário adequado. Em ambos os casos, ampliam-se o desfazimento dos gargalos, a superação dos bloqueios e sobretudo  a capilaridade da interação humana. Fica mais fácil inclusive melhor entender o conceito de educação.  

Como sugere a faculdade, educar não se restringe à idéia mecanicista de “formar para o trabalho”. Consiste em promover o amadurecimento dos indivíduos em seus laços comunitários tornando-os capazes de intervir em situações práticas da vida, resolver problemas locais, produzir conhecimentos e valorizar os vínculos e as manifestações culturais. Um dos professores observou: “É, o Tarcisio teve razão quando falou em formação cultural e profissional da rapaziada”.


EDUCAR E CUIDAR

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Estamos em Natal (RN), minha mulher e eu, para um compromisso familiar. A estada seria breve, restrita ao que estava programado. Ocorre que, mal chegamos, fomos informados da presença de Edgar Morin e Leonardo Boff, vindos um e outro à cidade para compartilharem com  setores da sociedade local, em dois eventos distintos, reflexões amadurecidas ao longo de suas trajetórias. Morin falará na praça cívica da Universidade Federal sobre “o destino da humanidade”. Muito a propósito, Boff desenvolverá, em um encontro do conselho de enfermagem, o tema “ética e cuidado”. Como ficar indiferente ao que dirão essas duas figuras missionárias imbuídas da tarefa de tentar salvar o mundo?

Os dois têm em suas biografias pontos de convergência. Ambos renunciaram a parcelas dos próprios nomes para assumirem “codinomes”. Edgar era Hahoum, passou a ser Morin quando se envolveu com a resistência francesa durante a segunda guerra. O nome de batismo de Boff era Genésio Darci. Adotou Leonardo ao tornar-se franciscano. Ambos escreveram muitos livros.. Um e outro tiveram graves desentendimentos com suas instituições de pertença. Morin foi excluído do Partido Comunista Francês (1951), em decorrência de suas posições antistanilistas. Boff foi coagido pelo vaticano a um ano de “obsequioso silêncio” (1985) em virtude das idéias defendidas no livro Igreja, Carisma e Poder. Uma diferença entre eles. Morin declara-se ateu, embora reconheça ter seus momentos místicos. Leonardo, ao completar 70 anos, se diz “velho, cristão, franciscano, teólogo e um homem”.  Chega mesmo, em linguagem simbólica, a confessar-se  “por participação” Deus. Nunca deixou a igreja, embora tenha renunciado à função de padre. Descreve, em um poema, a experiência íntima de um grande vazio: “o vazio é Deus em meu ser”.

Morin firma-se no cenário cultural como um grande pensador. É o teórico maior do pensamento complexo. Sua missão: contribuir para desenvolver o pensamento humano através da “dialógica”. Trata-se de ensinar a assumir “a compreensão das idéias contrárias sem a necessidade da exclusão”. Para tanto atribui à ação educativa, em plano mundial, sete tarefas que a falta de espaço mal permite resumir: 1. não excluir o erro do processo de aprendizagem, mas valorizá-lo como fator que faz avançar o conhecimento; 2. evitar a fragmentação da aprendizagem mediante a articulação das variadas áreas de conhecimento, pondo em evidência o contexto e o global, o multidimensional e o complexo. Este último costura a ligação entre a unidade e a multiplicidade; 3. ensinar a condição humana em suas dimensões psíquica, física, mística; biológica…; 4. demonstrar que a terra é um pequeno planeta a ser sustentado a qualquer custo; 5. valorizar o principio da incerteza: fazer ciência tendo claro que existem coisas incertas; 6. ensinar que a comunicação humana deve estar voltada para a compreensão; 7. ensinar que o saber-ética do gênero humano e sua compreensão complexa ancora-se em três dimensões: autonomia individual, participação comunitária, sentimento de pertença à espécie humana.

Boff, teólogo da libertação, tem-se dedicado nas ultimas décadas a diversos campos da ciência moderna, cabendo destacar sua preocupação com as questões da terra, na perspectiva da Ecologia. Considera que a terra está doente, afetada pelo aquecimento global, pelos rios que secam e por florestas que se destroem. Chega a prever que cerca de 3000 espécies vegetais e animais do globo desaparecem anualmente. Nada impede que a espécie humana também venha a desaparecer. Essa perspectiva confere amplo e diversificado alcance à palavra “cuidar”. Sobretudo em se tratando da dimensão ética da ação profissional de enfermeiros e outros operadores da saúde que lidam com o bem estar dos homens e das mulheres expostos todos eles aos riscos da enfermidade e da morte.

Do andar do edifício em que me encontro, e onde chegou a notícia da presença dos dois na cidade, tem-se uma vista generosa de Natal. A vegetação um tanto rasteira gruda-se ao relevo dos morros que levantam barreiras entre o mar e os aglomerados urbanos. As moradias horizontalizadas assistem com certa complacência à invasão dos prédios verticais. Longas avenidas acolhem o surgimento do comércio e serviços que dão as boas-vindas ao fervilhar crescente dos veículos. A outrora pacata Natal, bafejada pela suavidade de uma brisa constante e tida como capital menos violenta do país, entrega-se à complexidade de sua elevada densidade demográfica, ao congestionamento motorizado e a outras complexidades portadas pelo crescimento econômico e pelo fluxo turístico. As pessoas precisam aprender a conviver com a complexidade, daí resultante, a assimilar o contraditório e a estender sua mão cuidadosa aos semelhantes. O apelo aos sete saberes e ao aprimoramento ético do cuidado trazidos por Morin e Boff chega em boa hora à cidade.


MERGULHO NA ESPERANÇA

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“Só pode considerar-se viajante de verdade aquele que viaja em busca de si mesmo”. Esta frase de efeito me foi dita por um italiano que acabara de chegar a Roma, de retorno dos Estados Unidos onde não tinha conseguido “fare l`América” (ganhar a vida). A frase me voltou à mente em Bankok durante um passeio de barco a uma área rural, com parada num templo budista. No átrio, um encantador de serpentes adestrava uma naja, a cobra que dilata o pescoço quando enfurecida. À entrada do templo, uma estátua do Buda e, a seu lado, envolto em fumaça de incenso e cigarro, um velho monge. Do Buda de pedra ou do monge de carne esperava resposta a uma interrogação que então me perseguia. O Buda e o bonzo semi-sorriam, semi-dormiam na postura de quem não estava ali para responder a perguntas. O bonzo recebeu, com visível gula, o cigarro (une gauloise) que Claude lhe estendeu. Mas como me explicaria mais tarde Yuengyong, seria preciso ter paciência e tempo para dialogar com o bonzo. Ou com o Buda.

Tempo não havia. Uma ameaça de temporal sugeriu antecipar a volta  ao barco e retomar, rio adentro, o rumo da cidade. Uns meninos, de corpo magro e olhar vivo, nadavam entre as embarcações. Com trêfega insistência, pediam moedas que recebiam com a mão e levavam à boca como ágeis peixes vorazes. “É a vida”, murmurou a professora de distante ascendência portuguesa que nos acompanhava. À noite, no instituto jesuíta onde estávamos hospedados, voltaram-me à memória as cenas do passeio e a imagem de outro monge, também ele budista, procedente do Tibet. Encontrei-o na Alemanha durante um colóquio no recém-criado Instituto Técnico de Bochum. O que deveria ser breve troca de idéias no restaurante dos estudantes transformou-se em uma conversa sobre a pessoa do Buda e o budismo.

O jovem monge explicou  como Siddarta Gautama, o Buda, preocupado com o sofrimento humano, tornou-se um asceta errante, que pretendia promover a realização plena do ser humano e a construção da paz na sociedade. Percorrendo a pé longas distâncias, sob o sol ou sob a chuva, sobre a neve ou sobre pedras, manteve uma atitude de abertura aos grupos sociais, às etnias, às culturas e às  nacionalidades os mais diversos.  Expôs também a doutrina filosófica do budismo fundada nas chamadas três marcas: a impermanência, a insubstancialidade, o nirvana. A impermanência traz consigo a idéia de que nada é perene; que os fenômenos são efêmeros e estão em contínua transformação. A insubstancialidade indica que tudo resulta de mera soma de agregados, não existindo, por exemplo, um núcleo estável que dê sustentação ao conceito de natureza. O desconhecimento das marcas leva o homem a apegar-se a aspectos passageiros da existência; à ilusão de um “eu” permanente transformado em centro de aspirações egoístas, assim como à frustração, à angústia e ao sofrimento. O nirvana seria o estágio de superação das marcas anteriores. Manifesta-se quando o homem compreende a impermanência e a insubstancialidade, libertando-se de suas construções  ilusórias e egoístas e tomando consciência de que sua natureza é idêntica à natureza de todas as coisas.

Não sei. Ao recordar, a anos de distância, o passeio ao templo, a cobra naja, o bonzo, o Buda, os meninos peixes,a conversa com o monge na Alemanha, dou-me conta do quanto é difícil encontrar resposta precisa a dúvida tão vaga. Depois da estada em Bangkok visitei, perto de Djakarta, um misto de jardim botânico e parque paleontológico em plena selva indonésia. Mais do que uma visita, foi uma iniciação cósmica à vida, um mergulho na floresta, um  retorno à origem das coisas: ao fogo, à água, à terra, aos bichos,ao  homem, sem perceber solução de continuidade de um a outro elemento. Quanta origem, quanta luta, quanto saber no rosto múltiplo do homem, em sua plural atividade: caça, pesca, colheita, plantio, canto, dança, teatro de sombra, templos e rituais dos deuses de Deus. O cuidado posto na construção do casarão sombrio, no fabrico e manuseio das armas e das canoas, a intimidade com o cão domesticado. Senti que o tempo não impunha lonjura em relação ao homem   mais remoto da ilha mais  remota, como já não havia distância em relação à mulher do pescador de Sri Lanka no mergulho à origem das coisas e de mim.

Mesmo assim persistia a dúvida. Com a dúvida, crescia a curiosidade de entender melhor a identificação feita pelo Buda entre a natureza de todas as coisas e a natureza do homem. O que me preocupava era saber que, à entrada do templo, o Buda não falou, nem tampouco falou o bonzo a seu lado. Diante de tamanho silêncio na vastidão do mundo percorrido, um tênue fio de esperança me estimulava a não desistir do caminho. A prosseguir a viagem. A ter presente a palavra de um chinês de quem ouvi que “ a estrada mais curta de si para si passa pelo mundo inteiro”.
Dezembro 2010


EM BUSCA DA INCLUSÃO

Textos da Autoria de José Rosa Abreu Vale Data 0 comentários



Entre a praia e o casarão em ruína, cresceu em mim a percepção do dilema que me acompanhava: conhecer, não conhecer a Ásia. As leituras da juventude sobre a natureza e a história do continente; as marcas das culturas e religiões mais antigas; a convivência com asiáticos na Europa, tudo isso alimentava o interesse em saber mais sobre “esse mundo, vasto mundo”. É verdade que nunca perdi a consciência de meus limites em face do incomensurável da Ásia: o longínquo de suas distâncias, a imprevisibilidade de seus códigos. Mas, por outro lado, soube manter viva a curiosidade em relação aos grandes eventos que a têm sacudido: a revolução cultural da China, a guerra do Vietnã, a não-violência ativa na Índia. E outros, muitos outros.
 
Daí a viva sensação de melting pot que me possuiu ao adentrar, naquela manhã de agosto, o instituto “Center for Society and Religions”, de cuja fundação já me falara Balasuriya em contatos mantidos na Europa, inclusive em minha residência em Fribourg (Suiça). Tissa deixava transparecer o quanto era sensível às desigualdades presentes em diferentes contextos sociais. Expunha com rigor e vigor as contradições existentes na Ásia, em Sri Lanka e no quadro das relações internacionais. Não era segredo que suas posições teológicas suscitavam restrições nos meios conservadores, nem posso esquecer a polêmica decorrente de uma entrevista concedida a Phyllis Wassmer sobre a questão populacional, que me coube editar na revista Convergence, de Pax Romana – MIIC. Era impossível não admirar a coerência de suas posições e a determinação com que tocava adiante as suas idéias (Idéias que viriam mais tarde a custar-lhe bastante caro).

Balasuriya era, a seu modo, um provocador. A prova, naquela manhã, não estava longe. Estava ali no planisfério afixado à parede atrás de sua mesa de trabalho. Nele, a Ásia aparecia ao centro da figuração geográfica do planeta, ficando a Europa e as Américas à esquerda e à direita. Um choque para qualquer ocidental habituado à imagem cansativa da Europa-centro-do-mundo-e-das-coisas. Contemplar aquele redesenho gráfico da terra não só afetou o meu imaginário, mas me predispôs à escuta em relação ao que diriam os interlocutores ceilonêses, alguns dos quais haviam participado de um encontro realizado em Singapura. Mais que um provocador, Balasuriya era também (e continua sendo) um líder ecumênico. Em sua fala de abertura da reunião, lembrou que a divisão das pessoas e dos grupos, na sociedade ou na Igreja, resultava mais das pertenças políticas do que das opções religiosas. Coube a Victor Gunevardena, um dos membros do instituto, apresentar, numa visão de conjunto, breve síntese da situação dos dozes países representados no encontro de Singapura. Naquele então, já se percebia que Japão, Austrália e Nova Zelândia eram vistos com algum distanciamento pelos demais países, em razão certamente de seus respectivos níveis de desenvolvimento, industrialização e riqueza. Hong Kong ainda era colônia, mas ali já se vislumbrava a perspectiva da próxima independência. Nas Filipinas, vigorava uma lei marcial. A Tailândia acabara de romper com vinte anos de regime militar e era administrada por um governo provisório. Singapura, praticamente entregue a um partido único.

Indonésia sob as botas de um general. Bengladesh, esvaído pela guerra de libertação, ficara marcado pela carência de recursos materiais e humanos. Só a Índia e a Malásia gozavam naquele momento de relativa estabilidade política.

Das intervenções de uns e de outros emergiu, durante o debate, o cenário das desigualdades no quadro das relações internacionais. Foi lembrado que as populações da China, da Índia e do Japão, ou seja, 40% da humanidade estavam confinadas em 10% da superfície da terra. Os habitantes do Canadá, da Austrália, da Nova Zelândia – 1% da população mundial – possuíam a mesma proporção de terra que os chineses, os indianos e os japoneses. Entre 1957 e 1967, o aumento do consumo de aço em kg, por habitante/ano, foi de 568 a 637 nos EUA e de 9,12 a 13 na Índia. Em média um norte-americano exercia sobre o meio-ambiente maior devastação do que 25 habitantes da Índia. Se se representasse a população americana em padrão de vida indiana, os EUA deveriam ter quase cinco bilhões de habitantes. E a cada ano, os termos dessa relação tendiam a piorar, piorar.

Deu-se particular atenção ao exame das condições de vida das massas rurais. Os camponeses respondiam, com o seu trabalho, por grande volume da produção agrícola, mas suas famílias eram fragilizadas pela debilidade das políticas públicas nas áreas de nutrição, saúde, moradia, educação e salários. Tratando-se de Sri Lanka, impossível não fazer referência ao chá. O chá ceilonês é produzido, sobretudo no planalto central, onde fica Kandy, capital do antigo Reino, lá onde também se encontra o célebre pagode do Dente de Buda. A população do campo e suas dificuldades apareciam como desafio prioritário para os intelectuais do país, assim como para aqueles de orientação cristã. Balasuriya insistira sobre o fato de que a estes cabia o papel não de conformar a consciência dos pobres ao molde e aos vexames da pobreza, mas de reconhecê-los como seres humanos capazes de envolver-se com a construção de uma sociedade marcada pelos valores da justiça e da igualdade. Os intelectuais e profissionais presentes encerraram a reunião com a retomada da autocrítica feita em Singapura: a sua pertença às elites dirigentes do país e a necessidade de comprometimento com a luta dos pobres. O grupo retomou também os termos de seu compromisso: o de não fechar-se em uma organização reclusa; o de abrir-se aos excluídos e buscar com eles o caminho da inclusão e do desenvolvimento integrado e sustentável.

Essa reflexão me parecera então conter algo de premonitório em relação aos caminhos do futuro na Ásia.