EM BUSCA DA INCLUSÃO

Textos da Autoria de José Rosa Abreu Vale Data terça-feira, 22 de março de 2011 0 comentários


Entre a praia e o casarão em ruína, cresceu em mim a percepção do dilema que me acompanhava: conhecer, não conhecer a Ásia. As leituras da juventude sobre a natureza e a história do continente; as marcas das culturas e religiões mais antigas; a convivência com asiáticos na Europa, tudo isso alimentava o interesse em saber mais sobre “esse mundo, vasto mundo”. É verdade que nunca perdi a consciência de meus limites em face do incomensurável da Ásia: o longínquo de suas distâncias, a imprevisibilidade de seus códigos. Mas, por outro lado, soube manter viva a curiosidade em relação aos grandes eventos que a têm sacudido: a revolução cultural da China, a guerra do Vietnã, a não-violência ativa na Índia. E outros, muitos outros.
 
Daí a viva sensação de melting pot que me possuiu ao adentrar, naquela manhã de agosto, o instituto “Center for Society and Religions”, de cuja fundação já me falara Balasuriya em contatos mantidos na Europa, inclusive em minha residência em Fribourg (Suiça). Tissa deixava transparecer o quanto era sensível às desigualdades presentes em diferentes contextos sociais. Expunha com rigor e vigor as contradições existentes na Ásia, em Sri Lanka e no quadro das relações internacionais. Não era segredo que suas posições teológicas suscitavam restrições nos meios conservadores, nem posso esquecer a polêmica decorrente de uma entrevista concedida a Phyllis Wassmer sobre a questão populacional, que me coube editar na revista Convergence, de Pax Romana – MIIC. Era impossível não admirar a coerência de suas posições e a determinação com que tocava adiante as suas idéias (Idéias que viriam mais tarde a custar-lhe bastante caro).

Balasuriya era, a seu modo, um provocador. A prova, naquela manhã, não estava longe. Estava ali no planisfério afixado à parede atrás de sua mesa de trabalho. Nele, a Ásia aparecia ao centro da figuração geográfica do planeta, ficando a Europa e as Américas à esquerda e à direita. Um choque para qualquer ocidental habituado à imagem cansativa da Europa-centro-do-mundo-e-das-coisas. Contemplar aquele redesenho gráfico da terra não só afetou o meu imaginário, mas me predispôs à escuta em relação ao que diriam os interlocutores ceilonêses, alguns dos quais haviam participado de um encontro realizado em Singapura. Mais que um provocador, Balasuriya era também (e continua sendo) um líder ecumênico. Em sua fala de abertura da reunião, lembrou que a divisão das pessoas e dos grupos, na sociedade ou na Igreja, resultava mais das pertenças políticas do que das opções religiosas. Coube a Victor Gunevardena, um dos membros do instituto, apresentar, numa visão de conjunto, breve síntese da situação dos dozes países representados no encontro de Singapura. Naquele então, já se percebia que Japão, Austrália e Nova Zelândia eram vistos com algum distanciamento pelos demais países, em razão certamente de seus respectivos níveis de desenvolvimento, industrialização e riqueza. Hong Kong ainda era colônia, mas ali já se vislumbrava a perspectiva da próxima independência. Nas Filipinas, vigorava uma lei marcial. A Tailândia acabara de romper com vinte anos de regime militar e era administrada por um governo provisório. Singapura, praticamente entregue a um partido único.

Indonésia sob as botas de um general. Bengladesh, esvaído pela guerra de libertação, ficara marcado pela carência de recursos materiais e humanos. Só a Índia e a Malásia gozavam naquele momento de relativa estabilidade política.

Das intervenções de uns e de outros emergiu, durante o debate, o cenário das desigualdades no quadro das relações internacionais. Foi lembrado que as populações da China, da Índia e do Japão, ou seja, 40% da humanidade estavam confinadas em 10% da superfície da terra. Os habitantes do Canadá, da Austrália, da Nova Zelândia – 1% da população mundial – possuíam a mesma proporção de terra que os chineses, os indianos e os japoneses. Entre 1957 e 1967, o aumento do consumo de aço em kg, por habitante/ano, foi de 568 a 637 nos EUA e de 9,12 a 13 na Índia. Em média um norte-americano exercia sobre o meio-ambiente maior devastação do que 25 habitantes da Índia. Se se representasse a população americana em padrão de vida indiana, os EUA deveriam ter quase cinco bilhões de habitantes. E a cada ano, os termos dessa relação tendiam a piorar, piorar.

Deu-se particular atenção ao exame das condições de vida das massas rurais. Os camponeses respondiam, com o seu trabalho, por grande volume da produção agrícola, mas suas famílias eram fragilizadas pela debilidade das políticas públicas nas áreas de nutrição, saúde, moradia, educação e salários. Tratando-se de Sri Lanka, impossível não fazer referência ao chá. O chá ceilonês é produzido, sobretudo no planalto central, onde fica Kandy, capital do antigo Reino, lá onde também se encontra o célebre pagode do Dente de Buda. A população do campo e suas dificuldades apareciam como desafio prioritário para os intelectuais do país, assim como para aqueles de orientação cristã. Balasuriya insistira sobre o fato de que a estes cabia o papel não de conformar a consciência dos pobres ao molde e aos vexames da pobreza, mas de reconhecê-los como seres humanos capazes de envolver-se com a construção de uma sociedade marcada pelos valores da justiça e da igualdade. Os intelectuais e profissionais presentes encerraram a reunião com a retomada da autocrítica feita em Singapura: a sua pertença às elites dirigentes do país e a necessidade de comprometimento com a luta dos pobres. O grupo retomou também os termos de seu compromisso: o de não fechar-se em uma organização reclusa; o de abrir-se aos excluídos e buscar com eles o caminho da inclusão e do desenvolvimento integrado e sustentável.

Essa reflexão me parecera então conter algo de premonitório em relação aos caminhos do futuro na Ásia.

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