A BÚSSOLA E O RUMO

Textos da Autoria de José Rosa Abreu Vale Data domingo, 27 de março de 2011 0 comentários
Finalzinho da tarde, ou começo da noite, tanto faz. Em Aracati, à saída do campus da FVJ, abordam-me duas alunas do curso de serviço social: “diga, por favor, o que se pode esperar de útil da disciplina sociologia”. Estava concentrado em contemplar, lá para onde o Jaguaribe se derrama no mar, um retalho de nuvem que mergulhava lentamente no reino das trevas. As cores indefinidas da paisagem crepuscular sugeriam, como resposta às alunas, algo de triste ou alegre. Ou algo de simplesmente neutro. Como reagiriam elas se lhes dissesse que a sociologia é uma bússola que indica o norte no emaranhado sombrio das ações e reações produzidas pelos humanos em seu viver cotidiano? Poderiam contestar que outras áreas de conhecimento também servem de bússola. E dedilhar toda uma ladainha: a história, a antropologia, a economia, a ciência política, o direito, as políticas públicas, as ciências contábeis, a ciência da administração, a criminologia, a filosofia, o serviço social, a lingüística, a literatura, a geografia humana…

Teria então de lembrar-lhes que a história fixa sua atenção nas ações humanas ocorridas no passado. Que a antropologia cuida das relações humanas no quadro de sociedades em estágios de desenvolvimentos diferentes daquele em que se encontra a nossa. E que a economia, ao lidar com a produção e a distribuição de bens, ocupa-se de mensurar os custos e benefícios das ações humanas. Além disso, teria talvez de vira-voltear em torno da idéia repisada de que nenhuma dessas áreas é estranha ao faro da sociologia. Por serem os humanos mutuamente interdependentes, também interdependem os conhecimentos que produzem. E o sociólogo não deixa de ser o intérprete das implicações sociais, políticas, econômicas e culturais decorrentes de fatores desenvolvidos no âmbito desses saberes.

Em meu tempo de estudante, nos anos contidos – ai de mim - lá pela sexta década do século passado, a sociologia se apresentava como estudo científico do social, seja no nível elementar das relações interpessoais, seja no nível macro dos grandes conjuntos, das classes, nações, civilizações ou daquilo que já surgia no horizonte como as sociedades globais. Passado tanto tempo, ainda me pergunto em que a sociologia afeta a minha vida. Continuo sensível ao seu papel esclarecedor. Ela me tem ajudado e creio que pode ajudar a muitos a melhorar a compreensão a respeito de nós, dos outros e das condições sócio-culturais em que vivemos nossas relações mútuas. Essa ajuda me parece particularmente oportuna nesse momento em que, no Chile, somos impactados pela intensidade humana vivenciada por trinta e três mineiros extraídos a fórceps do ventre profundo de um deserto e, no Brasil, somos provocados pelo estridor do apelo de dois contendores que nos pedem adesão a suas propostas de continuidade ou ressurgimento de todo um país.

E às alunas que dizer? Dizer-lhes que vale o esforço de introjetar a sociologia em nós mesmos, em nosso pensamento, nossa ação, nosso sentimento. Encarnar a idéia de que o pensamento sociológico ilumina, em inúmeras circunstâncias, aspectos da realidade, que, de outra forma, poderiam passar despercebidos. Esse pensar nos lembra, a cada instante, que somos vinculados uns aos outros. E que a sociologia oferece aos humanos e à vida dos homens e mulheres “o entendimento produtor de tolerância e a tolerância que viabiliza o entendimento” na palavra de dois sociólogos, Zygmunt Baumam e Tim May, autores do livro “Aprendendo a pensar com a Sociologia.

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