EDUCAR E CUIDAR

Textos da Autoria de José Rosa Abreu Vale Data terça-feira, 22 de março de 2011 0 comentários

Estamos em Natal (RN), minha mulher e eu, para um compromisso familiar. A estada seria breve, restrita ao que estava programado. Ocorre que, mal chegamos, fomos informados da presença de Edgar Morin e Leonardo Boff, vindos um e outro à cidade para compartilharem com  setores da sociedade local, em dois eventos distintos, reflexões amadurecidas ao longo de suas trajetórias. Morin falará na praça cívica da Universidade Federal sobre “o destino da humanidade”. Muito a propósito, Boff desenvolverá, em um encontro do conselho de enfermagem, o tema “ética e cuidado”. Como ficar indiferente ao que dirão essas duas figuras missionárias imbuídas da tarefa de tentar salvar o mundo?

Os dois têm em suas biografias pontos de convergência. Ambos renunciaram a parcelas dos próprios nomes para assumirem “codinomes”. Edgar era Hahoum, passou a ser Morin quando se envolveu com a resistência francesa durante a segunda guerra. O nome de batismo de Boff era Genésio Darci. Adotou Leonardo ao tornar-se franciscano. Ambos escreveram muitos livros.. Um e outro tiveram graves desentendimentos com suas instituições de pertença. Morin foi excluído do Partido Comunista Francês (1951), em decorrência de suas posições antistanilistas. Boff foi coagido pelo vaticano a um ano de “obsequioso silêncio” (1985) em virtude das idéias defendidas no livro Igreja, Carisma e Poder. Uma diferença entre eles. Morin declara-se ateu, embora reconheça ter seus momentos místicos. Leonardo, ao completar 70 anos, se diz “velho, cristão, franciscano, teólogo e um homem”.  Chega mesmo, em linguagem simbólica, a confessar-se  “por participação” Deus. Nunca deixou a igreja, embora tenha renunciado à função de padre. Descreve, em um poema, a experiência íntima de um grande vazio: “o vazio é Deus em meu ser”.

Morin firma-se no cenário cultural como um grande pensador. É o teórico maior do pensamento complexo. Sua missão: contribuir para desenvolver o pensamento humano através da “dialógica”. Trata-se de ensinar a assumir “a compreensão das idéias contrárias sem a necessidade da exclusão”. Para tanto atribui à ação educativa, em plano mundial, sete tarefas que a falta de espaço mal permite resumir: 1. não excluir o erro do processo de aprendizagem, mas valorizá-lo como fator que faz avançar o conhecimento; 2. evitar a fragmentação da aprendizagem mediante a articulação das variadas áreas de conhecimento, pondo em evidência o contexto e o global, o multidimensional e o complexo. Este último costura a ligação entre a unidade e a multiplicidade; 3. ensinar a condição humana em suas dimensões psíquica, física, mística; biológica…; 4. demonstrar que a terra é um pequeno planeta a ser sustentado a qualquer custo; 5. valorizar o principio da incerteza: fazer ciência tendo claro que existem coisas incertas; 6. ensinar que a comunicação humana deve estar voltada para a compreensão; 7. ensinar que o saber-ética do gênero humano e sua compreensão complexa ancora-se em três dimensões: autonomia individual, participação comunitária, sentimento de pertença à espécie humana.

Boff, teólogo da libertação, tem-se dedicado nas ultimas décadas a diversos campos da ciência moderna, cabendo destacar sua preocupação com as questões da terra, na perspectiva da Ecologia. Considera que a terra está doente, afetada pelo aquecimento global, pelos rios que secam e por florestas que se destroem. Chega a prever que cerca de 3000 espécies vegetais e animais do globo desaparecem anualmente. Nada impede que a espécie humana também venha a desaparecer. Essa perspectiva confere amplo e diversificado alcance à palavra “cuidar”. Sobretudo em se tratando da dimensão ética da ação profissional de enfermeiros e outros operadores da saúde que lidam com o bem estar dos homens e das mulheres expostos todos eles aos riscos da enfermidade e da morte.

Do andar do edifício em que me encontro, e onde chegou a notícia da presença dos dois na cidade, tem-se uma vista generosa de Natal. A vegetação um tanto rasteira gruda-se ao relevo dos morros que levantam barreiras entre o mar e os aglomerados urbanos. As moradias horizontalizadas assistem com certa complacência à invasão dos prédios verticais. Longas avenidas acolhem o surgimento do comércio e serviços que dão as boas-vindas ao fervilhar crescente dos veículos. A outrora pacata Natal, bafejada pela suavidade de uma brisa constante e tida como capital menos violenta do país, entrega-se à complexidade de sua elevada densidade demográfica, ao congestionamento motorizado e a outras complexidades portadas pelo crescimento econômico e pelo fluxo turístico. As pessoas precisam aprender a conviver com a complexidade, daí resultante, a assimilar o contraditório e a estender sua mão cuidadosa aos semelhantes. O apelo aos sete saberes e ao aprimoramento ético do cuidado trazidos por Morin e Boff chega em boa hora à cidade.

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