LIBERDADE DELES E NOSSA

Textos da Autoria de José Rosa Abreu Vale Data quarta-feira, 23 de março de 2011 0 comentários

 
16.10.2007. Como secretário estadual do Trabalho e Ação Social, presidi hoje a inauguração do Centro Educacional São Francisco, construído ao lado do Centro São Miguel com aporte financeiro do governo federal. Valor da obra: R$ 350 mil. Presentes ao evento: autoridades do Executivo, Judiciário, Ministério Público, policiais e representantes de organizações não-governamentais.

Em breve introdução, lembrei, com alguma lucidez, que o destino ideal do prédio seria o de ter a menor ocupação possível. Previsto para abrigar 45 jovens em regime de privação de liberdade, espera-se que possibilite a separação dos autores de infração de maior complexidade, lotados no São Miguel, dos meninos responsáveis por ações menos graves. Estes ficarão no São Francisco.

Com isso, o Ceará dá um passo no reordenamento da política de proteção integral e afasta das casas de privação o monstro da superlotação e o fantasma da promiscuidade. É imperioso tudo fazer para que sejam acolhidos em ambos os centros um número de internos sempre inferior ao que podem comportar. Seria puro sadismo supor que quanto mais meninos recolhidos indiscriminadamente melhor estaria funcionando o sistema.

É justamente o contrário o que está inscrito no espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ele trata do assunto na parte dedicada às medidas sócio-educativas, que incluem: advertência pedagogicamente orientada, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e inserção em regime de semi-liberdade.

Destaque-se o fato de que a construção do São Francisco foi planejada em bom entendimento do Executivo com o Judiciário, o Ministério Público, as corporações policiais e representantes de organizações da sociedade civil. Insistiu-se, nas reuniões preparatórias, sobre a importância de conferir maior agilidade aos processos com vistas a suscitar no jovem a consciência da proximidade entre o ato infracional cometido e a medida sócio-educativa aplicada.

Convém sublinhar também a urgência ética de promover nos internatos um ambiente favorável à superação do quadro amorfo da ociosidade no seu dia-a-dia. Para tanto será indispensável dar vida e regularidade às ações de educação formal, às atividades profissionalizantes, aos momentos de lazer e cultura, assim como às dinâmicas de integração interpessoal.
Tudo isso constitui função básica dos educadores sociais chamados a lidar com os jovens internos. Em seu desempenho profissional, devem ter profundo conhecimento não apenas do Estatuto, mas dos jovens autores de infração em suas condições de vida social, familiar e pessoal. Só assim poderão assimilar devidamente as características de suas personalidades e o seu potencial de ressocialização.

Aos operadores do direito cabe a urgente tarefa de refletir sobre o paradoxo presente na tensão entre os dois papeis atribuídos, na legislação, à privação da liberdade: “punir e recuperar”. Como conciliar os termos desse paradoxo? Como tornar possível educar esses jovens para o exercício da liberdade em um espaço e um tempo marcados pela negação da liberdade?  A pergunta é pertinente. A resposta nem sempre tem sido suficientemente elucidativa.

É obrigação da comunidade, enfim, contribuir para que se escancarem as portas dos estabelecimentos onde os jovens cumprem as citadas medidas. Essa abertura deve ocorrer não só em relação aos familiares, mas ao olhar das chamadas forças vivas da sociedade. Todos devem ter a possibilidade de conhecer o atendimento pedagógico dispensado aos jovens, criticar ou apoiar a ação dos órgãos públicos, incentivar a correta aplicação das medidas, de modo que elas resultem em instrumento eficaz de construção da cidadania e da liberdade dos meninos. De nossa liberdade e de nossa cidadania de adultos.

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